Um cara de mau...um coração de mendigo.
Diziam que era irmão do Zé Frango, mas não sei ao certo, pois eram tipos tão diferentes e em tudo!
A meninada o apelidara Boi da Chácara!
Seu modo de ser era engraçado!
Andava sempre com um “mulato” (um pedaço de pau) debaixo do braço e as crianças tinham grande medo dele.
Se se olhava pra gente, franzia a testa, fechava a fisionomia, como um “pirata da cara de mau”, levantava a arma (o mulato) como a dizer-nos:
Não me amole, se não apanha!
No mesmo instante em que a fisionomia era austera, de homem bravo, transformava-a num sorriso forçado, de débil mental mesmo...
Bebia demais e era gordo, ostentando sempre o barrigão, com a camisa aberta.
Gostava de dormir no coreto, nos passeios da cidade.
Por ocasião das férias escolares, época em que aqui se reuniam os rapazes que moravam fora para estudar, Ramiro não largava a “patota” dos escolares: Tito do João Moreira, Luiz Flávio da Sanela, Célio Márcio, Geraldinho da Lulu, etc.
Estava sempre ao lado deles e lá pelas tantas da madrugada, com uns golinhos de pinga e cerveja no “coco” Ramiro soltava o seu grito que era um lamento, um gemido, pelas ruas desertas de nossa Rio Doce:
“Ô Luizinho da Sanela! Ô Luizinho da Sanela!”
E isto ia falando, falando sem parar.
Nesta hora tudo era silêncio. Somente se escutava o relógio da matriz que vigiava o casario, as ruas despovoadas.
Quanta saudade de você, Ramiro, que atemorizou nossa meninice, que vagou pelas nossas ruas, que se fez amigo de meus amigos, de meus irmãos, de meus conterrâneos... Você, Ramiro, que fez parte de nossa infância, de nossa mocidade.
Na sua filosofia de vida simples, de mendigo, tinha um pouco de turista, de nômade...
Passava temporada aqui, ia para Abreus, Dores e vizinhanças... Vivia andando...
Um dia, como é característico de cidade interiorana, a notícia se espalhou de boca em boca:
O Ramiro morreu! Mataram o Ramiro!
E foi verdade: assassinaram-no em Rio Pomba, não sabemos como e nem porquê.
O certo é que ele, que fazia parte de nossa história, deixou seus restos mortais longe e nem se sabe se lhe deram um lugar para enterrar, se lhe levaram até u’a campa onde queríamos ler:
Aqui jaz o Ramiro, uma parte da história de Alto Rio Doce.
Memórias para a História de Alto Rio Doce – Três gerações. 3 ed. Juiz de Fora: Zas Gráfica e Editora, 1998. pp. 193-194 (transcrição)